A
Bíblia é contra a tradição?
Seguimos a Bíblia ou a tradição?
Falar
em Tradição em um ambiente pós-moderno é ser taxado de “retrogrado”,
“conservador”, “arcaico”, “intelectualmente fraco” (que fique claro que não
estou falando de política). Se mudarmos o foco para dentro do espaço
eclesiástico, talvez os adjetivos mudem, mas o tom pejorativo certamente estará
presente. Agora, será que tais adjetivações fazem jus ao que se posicionem em
favor da Tradição? A Bíblia tem algo a nos dizer sobre a como lidarmos com a
tradição? Bom, essa será a tentativa das próximas linhas.
Quando
pensamos em tradição duas coisas vem à mente do povo evangélico. A primeira é o
texto em de Mc 7.8-9, que diz: Vocês
negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições dos homens".
E disse-lhes: "Vocês estão sempre encontrando uma boa maneira para pôr de
lado os mandamentos de Deus, a fim de obedecer às suas tradições! A
conclusão tirada logo em seguida é que a tradição, portanto, é ruim. A segunda
coisa que vem a memória é que a Igreja Católica se apega a tradição para construir
a sua teologia, logo, a tradição é ruim também.
Agora,
será que o texto de Mc 7.8-9 está “demonizando” a tradição? Será que não existe
outras formas de pensar e viver a tradição? O que fazer diante desse quadro?
Olhando para a Escritura
Antes
de verificarmos o que a Bíblia diz sobre a tradição, cabe um esclarecimento do
que a palavra em si significa. Tradição é uma palavra com origem no
termo em latim traditio, que significa "entregar"
ou "passar adiante". A tradição é a transmissão de costumes, comportamentos, memórias, rumores,
crenças, lendas, para pessoas de uma comunidade, sendo que
os elementos transmitidos passam a fazer parte da cultura1. Com o
significado do termo esclarecido vamos aos textos.
O
primeiro texto é o de Mc 7.1-13. No texto, Jesus é interpelado pelos fariseus
pelo fato de seus discípulos estarem comendo sem lavar as mãos e, com isso,
ferindo uma tradição religiosa de seu povo (isso fica evidente pelo termo
purificação no texto, termo comum nos atos de lavagem rituais). A resposta de
Jesus aos fariseus vem em tom de crítica, Vocês
negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições dos homens".
No decorrer do texto vemos Jesus criticando os fariseus por apegarem-se a
tradição chamada corbã, que era a
dedicação de todos os seus bens a “obra de Deus”. Com todos os bens dedicados
(que eles continuavam a usufruir) eles não poderiam utiliza-los para ajudar a
família. Então, Jesus criticou a tradição ou não?
Em
primeiro lugar vale destacar que os discípulos de Jesus feriam uma tradição
(purificação) que não estava baseada nas escrituras, mas em formulações
humanas. Jesus jamais negou que seus discípulos tivessem rompido com as
tradições, mas justificou o fato dizendo que essas tradições pertenciam somente
aos homens2.
Em
segundo lugar a crítica de Jesus está vinculada ao abando da orientação e
direção da Palavra. De acordo com Jesus, aqueles que viviam segundo a tradição
dos anciões: “negligenciam os mandamentos
de Deus” (v.8); “pôr de lado os
mandamentos de Deus” (v.9); “anulam a
Palavra de Deus” (v.13). Como eles colocaram os seus costumes em lugar da
verdadeira intenção da lei, Jesus os chama de “hipócritas”3. A
crítica de Jesus não é a tradição em si, mas no abando no da Palavra de Deus
como gabarito que orienta a vida e a tradição.
O
segundo texto para nossa reflexão é o texto de 1 Co 11.23, pois
recebi do Senhor o que também lhes entreguei. O trecho que vai
do verso 17 ao verso 34 do capítulo 11, Paulo começa a advertir a igreja de
Corinto pela sua má conduta na ceia do Senhor. Ao introduzir a seção anterior
(1Co 11.1-16), ele pudera elogiar os coríntios pela maneira como eles guardavam
“as tradições” (Eu os elogio por se
lembrarem de mim em tudo e por se apegarem às tradições, exatamente como eu as
transmiti a vocês.
1 Co 11.2). Quando passa a tratar do serviço da Comunhão, vê que não pode louvá-los4 (Entretanto, nisto que lhes vou dizer não os elogio, pois as reuniões de vocês mais fazem mal do que bem. 1 Cor 11.17). A igreja estava sendo fiel na observância de algumas tradições e na de outras não. Mas em que estava o erro da igreja? Só estava em ferir uma tradição?
1 Co 11.2). Quando passa a tratar do serviço da Comunhão, vê que não pode louvá-los4 (Entretanto, nisto que lhes vou dizer não os elogio, pois as reuniões de vocês mais fazem mal do que bem. 1 Cor 11.17). A igreja estava sendo fiel na observância de algumas tradições e na de outras não. Mas em que estava o erro da igreja? Só estava em ferir uma tradição?
Para
tentar responder a essa pergunta gostaria de destacar um pequeno trecho da
perícope, Pois recebi do Senhor (1
Coríntios 11.23). Paulo baseia a tradição de uma ceia reverente e respeitosa, a
uma tradição que havia recebido do Senhor Jesus Cristo. A tradição, como
transmissão de conhecimento ou ordenança, vinha do próprio Jesus, ou seja,
estava baseada na autoridade divina. A tradição para Paulo não era nociva
quando em si ela transmitia uma verdade Bíblica.
Conclusão
Portanto,
a tradição em si não é algo nocivo e pecaminoso. O perigo está em o que ela
está refletindo. Se estiver refletindo um princípio da Escritura ela será
edificante e proveitosa para a nossa vida, mas se ela caminhar diametralmente
oposta a Palavra de Deus ela deve ser rejeitada. Concluo com uma ilustração
utilizada por Kevin J. Vanhoozer sobre esse assunto. A Bíblia é o sol que
ilumina a nossa caminhada, a tradição é a lua, que não tem luz própria, mas é
capaz de iluminar a caminhada nas noites mais escuras quando ela reflete a luz
do sol (Escritura)5.
1Disponível
em: <https://www.significados.com.br/tradicao/> Acesso em: 16 de dezembro
de 2016.
2D.
A. Carson, Comentário Bíblico Vida Nova
(São Paulo: Vida Nova, 2009), p. 1447.
3Dewey
M. Mulholland, Introdução e comentário,
Marcos (São Paulo: Vida Nova, 1999), p. 117.
4Leon
Morris, Introdução e comentário,
1Coríntios (São Paulo: Vida Nova, 1981), p. 126.
5Kevin
J. Vanhoozer, Sola Scriptura e o papel da
tradição cristã. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PFSCit9W_o0>
Acesso em: 16 de dezembro de 2016.