terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A Palavra e a Tradição

A Bíblia é contra a tradição?

       Seguimos a Bíblia ou a tradição?

Falar em Tradição em um ambiente pós-moderno é ser taxado de “retrogrado”, “conservador”, “arcaico”, “intelectualmente fraco” (que fique claro que não estou falando de política). Se mudarmos o foco para dentro do espaço eclesiástico, talvez os adjetivos mudem, mas o tom pejorativo certamente estará presente. Agora, será que tais adjetivações fazem jus ao que se posicionem em favor da Tradição? A Bíblia tem algo a nos dizer sobre a como lidarmos com a tradição? Bom, essa será a tentativa das próximas linhas.
Quando pensamos em tradição duas coisas vem à mente do povo evangélico. A primeira é o texto em de Mc 7.8-9, que diz: Vocês negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições dos homens". E disse-lhes: "Vocês estão sempre encontrando uma boa maneira para pôr de lado os mandamentos de Deus, a fim de obedecer às suas tradições! A conclusão tirada logo em seguida é que a tradição, portanto, é ruim. A segunda coisa que vem a memória é que a Igreja Católica se apega a tradição para construir a sua teologia, logo, a tradição é ruim também.
Agora, será que o texto de Mc 7.8-9 está “demonizando” a tradição? Será que não existe outras formas de pensar e viver a tradição? O que fazer diante desse quadro?

Olhando para a Escritura
Antes de verificarmos o que a Bíblia diz sobre a tradição, cabe um esclarecimento do que a palavra em si significa. Tradição é uma palavra com origem no termo em latim traditio, que significa "entregar" ou "passar adiante". A tradição é a transmissão de costumescomportamentosmemórias, rumores, crençaslendas, para pessoas de uma comunidade, sendo que os elementos transmitidos passam a fazer parte da cultura1. Com o significado do termo esclarecido vamos aos textos.
O primeiro texto é o de Mc 7.1-13. No texto, Jesus é interpelado pelos fariseus pelo fato de seus discípulos estarem comendo sem lavar as mãos e, com isso, ferindo uma tradição religiosa de seu povo (isso fica evidente pelo termo purificação no texto, termo comum nos atos de lavagem rituais). A resposta de Jesus aos fariseus vem em tom de crítica, Vocês negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições dos homens". No decorrer do texto vemos Jesus criticando os fariseus por apegarem-se a tradição chamada corbã, que era a dedicação de todos os seus bens a “obra de Deus”. Com todos os bens dedicados (que eles continuavam a usufruir) eles não poderiam utiliza-los para ajudar a família. Então, Jesus criticou a tradição ou não?
Em primeiro lugar vale destacar que os discípulos de Jesus feriam uma tradição (purificação) que não estava baseada nas escrituras, mas em formulações humanas. Jesus jamais negou que seus discípulos tivessem rompido com as tradições, mas justificou o fato dizendo que essas tradições pertenciam somente aos homens2.
Em segundo lugar a crítica de Jesus está vinculada ao abando da orientação e direção da Palavra. De acordo com Jesus, aqueles que viviam segundo a tradição dos anciões: “negligenciam os mandamentos de Deus” (v.8); “pôr de lado os mandamentos de Deus” (v.9); “anulam a Palavra de Deus” (v.13). Como eles colocaram os seus costumes em lugar da verdadeira intenção da lei, Jesus os chama de “hipócritas”3. A crítica de Jesus não é a tradição em si, mas no abando no da Palavra de Deus como gabarito que orienta a vida e a tradição.
O segundo texto para nossa reflexão é o texto de 1 Co 11.23, pois recebi do Senhor o que também lhes entreguei. O trecho que vai do verso 17 ao verso 34 do capítulo 11, Paulo começa a advertir a igreja de Corinto pela sua má conduta na ceia do Senhor. Ao introduzir a seção anterior (1Co 11.1-16), ele pudera elogiar os coríntios pela maneira como eles guardavam “as tradições” (Eu os elogio por se lembrarem de mim em tudo e por se apegarem às tradições, exatamente como eu as transmiti a vocês.
1 Co 11.2). Quando passa a tratar do serviço da Comunhão, vê que não pode louvá-los4 (Entretanto, nisto que lhes vou dizer não os elogio, pois as reuniões de vocês mais fazem mal do que bem. 1 Cor 11.17). A igreja estava sendo fiel na observância de algumas tradições e na de outras não. Mas em que estava o erro da igreja? Só estava em ferir uma tradição?
Para tentar responder a essa pergunta gostaria de destacar um pequeno trecho da perícope, Pois recebi do Senhor (1 Coríntios 11.23). Paulo baseia a tradição de uma ceia reverente e respeitosa, a uma tradição que havia recebido do Senhor Jesus Cristo. A tradição, como transmissão de conhecimento ou ordenança, vinha do próprio Jesus, ou seja, estava baseada na autoridade divina. A tradição para Paulo não era nociva quando em si ela transmitia uma verdade Bíblica.

Conclusão
Portanto, a tradição em si não é algo nocivo e pecaminoso. O perigo está em o que ela está refletindo. Se estiver refletindo um princípio da Escritura ela será edificante e proveitosa para a nossa vida, mas se ela caminhar diametralmente oposta a Palavra de Deus ela deve ser rejeitada. Concluo com uma ilustração utilizada por Kevin J. Vanhoozer sobre esse assunto. A Bíblia é o sol que ilumina a nossa caminhada, a tradição é a lua, que não tem luz própria, mas é capaz de iluminar a caminhada nas noites mais escuras quando ela reflete a luz do sol (Escritura)5.



1Disponível em: <https://www.significados.com.br/tradicao/> Acesso em: 16 de dezembro de 2016.
2D. A. Carson, Comentário Bíblico Vida Nova (São Paulo: Vida Nova, 2009), p. 1447.
3Dewey M. Mulholland, Introdução e comentário, Marcos (São Paulo: Vida Nova, 1999), p. 117.
4Leon Morris, Introdução e comentário, 1Coríntios (São Paulo: Vida Nova, 1981), p. 126.

5Kevin J. Vanhoozer, Sola Scriptura e o papel da tradição cristã. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PFSCit9W_o0> Acesso em: 16 de dezembro de 2016.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Salmo 121


Tema: Os perigos incertos da caminhada, mas o cuido certo do Senhor.

     O salmista do salmo 121 está rumando para Jerusalém para a observância das principais festas judaicas (Pascoa, Pentecoste e Tabernáculos). Parece haver uma progressão nesse trecho do saltério. Pois o salmo 120, fala da aflição de morar em meio a um povo ímpio de lábios mentirosos, ou seja, distante de sua amada Jerusalém. Já no salmo 121, dá a entender que o peregrino saiu da sua cidade de habitação e está rumando para o monte Sião.
     Agora a aflição do salmista ganha novos contornos. Antes, eram os ímpios que o cercavam, com seus lábios maliciosos, que o afligiam. Mas agora, a aflição surge das incertezas e perigos do caminho. Ele sai de um ambiente hostil e caminham por lugares inseguros.
       Quando no v.1 ele fala, Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? É uma demonstração clara das incertezas e do medo que sobrevêm na caminhada. No v. 6 ele diz, de dia não te molestará o sol, nem a noite, a lua. São alguns dos possíveis perigos do caminho. Um caminho difícil, marcado pelo calor escaldante do dia e o frio intenso da noite.
     Outro fator de grande risco enfrentados pelos peregrinos que rumavam para Jerusalém, era os riscos de saques e assaltos no percurso. Cada vale, cada planície, cada trecho percorrido era marcado pela incerteza da insegurança do percurso.
   Mas é diante da incerteza da vida e da jornada que o salmista busca a certeza e segurança da proteção divina. E é sobre isso que iremos refletir.

1.     A segurança está no Deus do universo. V.2. O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra.
   Os montes no verso primeiro apontavam para o lugar que eram erigidos os altares de ídolos. No contexto da época do salmo, provavelmente altares levantados aos baalins. 
    O salmista diante da incerteza e insegurança da jornada, ele decide confiar em Deus que fez os céus e a terra e não em ídolos. O salmista recorre ao Deus criador, ao grande Senhor do universo. O medo da insegurança do percurso é dissipado quando ele lembra que o seu Deus é o Deus do universo, o Todo Poderoso.Não há medo e nem insegurança que permanece diante da certeza de servir ao Senhor do universo.
    Imaginem a grandeza do universo. A esfera observável pode parecer ter quase 28 bilhões de anos-luz de diâmetro, ela é muito maior. Os cientistas sabem que o universo está se expandindo. Assim, enquanto os cientistas podem ver um local que estava a 13,8 bilhões de anos-luz da Terra, no momento do Big Bang, o universo continuou a se expandir ao longo de sua vida. Hoje, esse mesmo ponto está a 46 bilhões de anos-luz de distância, fazendo com que o diâmetro do universo observável seja de uma esfera em torno de 92 bilhões de anos-luz. Aí lembramos que o Deus que contemplamos, o Deus do nosso socorro é o Senhor que criou tudo isso.
    Quando estivermos com medo do percurso ou inseguros com os nossos próximos passos, lembremos que o nosso Senhor é o Deus do Universo, é o Deus criador de tudo, ou seja, o Todo Poderoso.
     Aquietemos os nossos corações na certeza do tamanho do poder do nosso Deus.
 
2.    A segurança está no zelo de Deus. V. 3-4. Ele não permitirá que teus pés vacilem; não dormitará aquele que te guarda. É cero que não dormita, nem dorme o guarda de Israel.

    A segunda coisa que faz o salmista descansar do medo e insegurança do percurso é o zelo que ele sabe que Deus tem por sua vida.
    Os versos 3 e 4 parecem soar como uma resposta dada por terceiros a aflição do salmista, Ele não permitirá que teus pés vacilem; não dormitará aquele que te guarda. É cero que não dormita, nem dorme o guarda de Israel. O medo e insegurança do salmista é confrontado pela afirmação do cuidado zeloso de Deus. A figura aqui é a de um vigia atencioso, que a todo instante está atento a qualquer movimentação suspeita. O Senhor é zeloso, ciumento, pelos seus.
    O medo e a insegurança se dissipam quando sabemos que o Senhor do universo é zeloso, ciumento, por sua noiva. O Senhor cuida de maneira zelosa de seus peregrinos no decorrer da jornada. Ele não dorme e nem cochila em sua vigília zelosa.
    Portanto, descasemos na certeza de que o Deus do universo, a quem nós servimos, é um Deus zeloso por nossas vidas em toda a peregrinação.

3.    A segurança está na presença de Deus. V. 5b. o Senhor é a tua sombra a tua direita.
   
     A terceira coisa que dissipa o pavor e a inquietação do peregrino é a pessoalidade de Deus.
    O salmista se vale de uma figura muito peculiar para demonstrar a pessoalidade de Deus em sua jornada, a da sombra. Para o salmista o seu Deus é o Deus do universo, é o Deus que vigia zelosamente, e também, o Deus pessoal. A figura de uma sombra traz a ideia de uma presença sempre constante e de pessoalidade, cada uma tem a sua. O Senhor é um Deus preocupado com a pessoalidade de cada um. Ele é o Deus preocupado com nossas particularidades.
    O Senhor Jesus deixou isso claro sobre a sua presença constante nas nossas vidas. Ele disse, E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século (Mt 28.20); e, E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós (Jo.14.16).
    A inseguridade e o amedrontamento do percurso devem desvanecer-se diante de um Deus tão pessoal. Cada um tem as dificuldades particulares de sua caminhada. É verdade que há perigos comuns, mas também é verdade que cada um tem as suas particularidades ao longo da jornada. Diante disso, o que nos conforta e encoraja é a certeza de termos um Deus que conhece cada peculiaridade nossa e também está presente em cada uma, como uma sobra, o tempo todo.
    Portanto, descasemos no fato de termos um Deus que é o Senhor do universo, que nos guarda com um vigia zeloso e nos conhece e nos acompanha com sobra.

4.    A segurança está no Deus da minha história. V. 8. O Senhor guardará a tua saída e a tua entrada, desde agora e para sempre.
     A quarta coisa que suprimem o medo e a insegurança é a certeza que o salmista tem que o seu Deus é o Deus de sua história.
    Durante a sua jornada rumo a Jerusalém o salmista está cercado da insegurança do caminho. Talvez perguntando, “como será o meu amanhã”? Mas ao entoar o salmo ele se depara com o verso 8 que diz, O Senhor guardará a tua saída e a tua entrada, desde agora e para sempre. O Senhor de sua vida é o Deus de todo o seu percurso, desde sua saída, início da peregrinação, até sua chegada, na Jerusalém. Ele lembra que sua vida não é fruto do acaso ou das circunstancias. Mas sua vida está nas mãos do Senhor de sua história. O Senhor do universo é o Senhor de nossa história.
    Devemos descansar na certeza de que servimos e adoramos ao Senhor de nossa história. A nossa vida está nas mãos de nosso Senhor. Nas palavras de Jesus, Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar. Eu e o Pai somos um. (João 10.28-30).
   Descansemos na certeza de quem ninguém pode nos arrebatar das mãos do Pai. Nada, nem destino, nem acaso e nem circunstancias.

Conclusão
Aquietemos os nossos corações na certeza que o Deus a quem servimos é o Deus do universo, que tem um olhar de um vigia zeloso e atento a todas as nossas particularidades do percurso, que também é o Deus da nossa história.

Soli Deo gloria!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Bíblia Sagrada Almeida Século 21: Antigo e Novo Testamento / [coordenação das revisões exegética e de estilo da Bíblia Almeida Século 21 - Luiz Alberto Sayão]. São Paulo: Vida Nova, 2008.
  • Bíblia Shedd; Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. - 2. ed. rev. e atual. no Brasil. - São Paulo: Vida Nova; Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997.
  • CARSON, D. A. Comentário bíblico: Vida Nova, São Paulo: Vida Nova, 2009.
  • RADMACHER, Earl; ALLEN, Ronald B.; HOUSE, H. Wayne. O Novo Comentário Bíblico: Antigo Testamento, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2010.